quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Inversão de si


Se aproximando daquele cômodo através do tato do caminho escuro, achou uma maçaneta áspera e molhada em meio as paredes. Girou a maçaneta e um rangido de porta mal lubrificada soou pelo vazio daquele quarto apagado e amplo, onde suas próprias palavras o vinham de encontro numa briga interminável entre a refração daquilo que ele dizia e o que ele realmente queria dizer, dizer para o silêncio e a negritude daquele quarto empoeirado de paredes espelhadas, que por estar escuro, por ele não foram percebidas.

Com o súbito clarear do ambiente, vindo da luz de uma pequena janela no canto do quarto, viu-se de frente, de lado, e de costas a si mesmo. Agora ele se encarava, se rejeitava, e se comparava ao mesmo tempo. Entretanto ele estava ali, não tinha como fugir, a porta se trancou com a força do vento vindo da pequena janela. Rodeado e ameaçado pela sua própria imagem, e pelos seus próprios sons, ruídos sem sentido, jogados ao eco do quarto, e que desorganizados, geravam significados nem sempre os quais esperados, que viajavam por entre a poeira rodeante no ar ao redor de sua cabeça.

Vestido de calça jeans clara, um tênis preto e uma camisa preta, ele se via vestido de calça jeans escura, tenis brancos e camisa branca. Via-se invertido, do avesso. Será que se via por dentro? As letras que permeavam sua cabeça, no espelho apareciam em antônimos. Dizendo amor, se via no espelho o ódio, mas dizendo o ódio, se via no espelho o amor! A antagonia daquele momento inopinado fez com que ele tirasse sua roupa.

Nu em frente, de costas, e de lado ao espelho, esperava uma imagem horrenda, ou de uma mulher, ou do seu corpo por dentro, ou de algum monstro no qual ele se transformara. No entanto ele viu sua pureza, aquela que não muda e ninguém tira. A luz dela iluminou o quarto que estava a meia luz daquela janela, que gerando vibrações, se transformou numa porta. A organização dos seus ruídos bucais ficou mais fácil, agora o amor era o amor, e o ódio era o ódio, e o sim era sim, e o não era o não. As palavras que rodeavam sua cabeça de forma desordenada se alinharam em versos muito bem elaborados em estrofes que iam de encontro àquela recém formada porta que diziam:

Sou quem não sou
Não sou quem eu
te diria que sou
Mas serei aquilo
que disse que vou

Procurei em mim mesmo
o que eu tinha de ser
Fiquei horas a esmo
me procurando entender!
mas como? não era eu mesmo.

A mim apavorando
Olhei dentro de mim
máscaras rancando
e percebi só assim
onde eu estava errando

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